quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

FOGO E FUGA (AINDA O EXÍLIO)


Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar,


Disse Machado, em versos cujo eco das repetições jamais lhes tirou
a beleza seminal. Mas, António, há no caminho escolhas e dramas,
você sabia disso, afinal escreveu, rasgo de desesperança, no início
daquele mesmo poema, numa parte eclipsada pelo ruído da fama:


Nunca perseguí la gloria
ni dejar en la memória
de los hombres mi canción,
entre tantas trilhas que nos envolvem


(Os homens mutilam versos e tristemente os traem). A trilha era áspera,
eu sabia, adivinhei os passos que faço e refaço, seriam difíceis, sangue
estancado no silêncio sem eco dos olhos secos, a angústia da diáspora
que semeia nas palavras solidão e tédio, matéria prima do todo poema.


Nada trouxe comigo, só algumas poucas palavras e versos de homens
e mulheres mortos, e é com essas pedras que tento esculpir o espectro
daqueles que um dia chamei de “homens possíveis”, única esperança.
Caminhamos tecendo solilóquios nas sombras do silêncio que consome.


Silêncio e solidão o que colhemos, são esses os frutos podres e perversos
deste caminho - Lasciate ogne speranza, voi ch'intrateque escolhemos.
Na tentativa de roubar um fogo antigo, encontramos a solidão do poema
que se nos conforta, apavora as violentas volutas da vertigem dos versos.


E quanto mais caminho na direção do fogo buscando a poesia, mais lodo,
lama encontro, se me alimento, é apenas do pão imaginário das palavras
dos mortos, seus sons e formas, sua possibilidade. Ninguém veio comigo
mas são tantos virgílios a meu lado que sei que não conhecerei a todos.


Quanto mais me embrenho no rumo das chamas, maior o peso da solidão
e do silêncio.Trago comigo poucas palavras, as dos mortos e as minhas,
são as que na pressa pude carregar no alforje da minha fuga, o raro pão
com o qual me alimento, na esperança de um dia, enfim, tornar-me surdo.


Há aqui demais silêncio e solidão, mas não suportava as gralhas, não nego,
e o vagido das vaidades, não suportava disputar por um cenário sem plateia,
e aplausos feitos de ecos e egos. Agarro-me a tantas pedras sem paisagem,
fuga em chamas, que rasgo minhas vísceras, que alimentam carcarás cegos.


Nesta trilha traço meu rumo de solidão, silêncio e palavra, só deles preciso
para desenhar descalço as pegadas que abandono, e envolvem como heras
o caminho na direção, senão do fogo, da minha morte, quando, sob pedras,
pedra a pedra construirei com as palavras que salvei um poema improvável.


O caminho está feito, António, sei que não há retorno possível, levo comigo
filho, mulher, palavras e livros, e algumas poucas frases de circunstância
vitais para o uso cotidiano, pois os que me vêm, cegos, me pensam aqui.
O triste espetáculo ainda continua, vejo nos horizontes inúteis da distância.


Não mandem notícias 



Tiziano

Um comentário:

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