terça-feira, 23 de agosto de 2011

TRÊS POEMAS MUSICAIS



OS SILÊNCIOS
       (Spiegel Im Spiegel: ouço os espelhos – e o silêncio - de Arvo Pärt)

                  
                   Para Maria Elizabeth


O silêncio é horrível. Escrevi de um dia
as palavras em pânico emudeciam
ante a estridência das multidões. Solidão.


Cuidadosamente, queimei fotos, objetos;
Sepultei. Abismo do esquecimento. Silêncio.
Eram lembranças de um passado talvez feliz,


no qual não me reconhecia. Desde então
os busco nas palavras, versos, poemas. Inutil,
debatem-se nos desvãos da memória. Silêncios


                               ...


Hoje, meio a um presente em plenitude, digo:
O silêncio é urgente. Para alumbrar a beleza
plena, transcendente da mulher que amo. 




                                                                                     Silêncio.







A SÍNTESE INCESTUOSA DE BRAHMS


A síntese não é menos cíclica que a dúvida.
logo se desfaz em incerteza. Uma há
porém, (erótica) que se solidifica no ar:

Corpos sob sons de um réquiem. Duvidam?
Amem sobre a neve fria do gesto incestuoso,
quase necrófilo, de “Um Réquiem Alemão”.


Depois digam que não.       










       DIALOGIAS 
(Brahms e Clementina e outros diálogos
improváveis
                                          mas possíveis)


                                          Para João Nebel    


                               I


Num leito de hospital, a espera.


A luz, intensa e vária, multifária
afasta a possibilidade do dia


As paredes de um verde próprio.
(Por que tantas vozes no éter, ecos,


ordens sob gritos irreconciliáveis? Vozes
nos hospitais não calçam pantufas?)


Na solidão da espera fixo os olhos
na mandala de lâmpadas, guia esfera luz


Quero perceber a precisa porta do sonho
sintético (deveriam calar-se), o momento


exato em que se romperá a teia da razão.
Síntese verde, arquitetura do torpor.
      

       Coro:              Selig sind, die da Leid tragen.
                               Denn sie sollen getröstet werden.


(Que coro vem semear o medo
sulcar sua agricultura de dor?)


                               Bem-aventurados os que choram,
                               porque serão consolados.


                               Ein Deutsches Requiem


Como sabiam que queria essa música
ao final? A música da qual florescerá


a impossibilidade de ser. Quem semeou
o seio do medo, e tão cruel oferece o leite
                              

do peito último, o que desalimenta?
Um Réquiem Alemão - sempre Brahms,


sempre ele, trazendo a virtude de enlouquecer.
Quem terá posto a música, quem atrás da porta


                               e porque?



       Coro:               (Uma incelença que é pra ele, mãe de Deus)
                  


                               Perdão Abaluaê, perdão
                               Perdão Aorixolá, perdão
                               Perdão Abaluaê, ele veio do mar...
                                          

Este sincretismo que nos veda o passado
nos cega o futuro, pois me impede de saber


sobre que pilares repousará meu corpo.
Sincretismo que conforta, me abre a porta


de outra própria metafísica. Meu corpo gira
sobre rodas, a maca na velocidade do éter.


                               ...


Corredores largos, os sempre verdes inaugurais
ou terminais, os olhares hospitais que passam



longos curiosos e piedosos, e me vêem passar
e se despedem de mim (passo), são carpideiras


despindo de mim meu futuro, despem de mim
meu corpo último, na unção pagã dos enfermos 
                    

Quero perceber a entrada no sonho criado
e também quero fixar esses rostos para mim


voltados, luz sobre uma “Lição de Anatomia”
cujo centro da tela sou eu (e o tempo).


                   II


       O SONHO SINTÉTICO
      

Queira saber o momento, o instante
da porta do sonho, não o espontâneo
que desponta na ponta da noite, porvir
na ponta do punhal do cansaço de ser


mas o artificial, na ponta da agulha
substância arterial, síntese química 
sem sinestesia, artífice do sonho criado
no tempo do homem, sem metafísica,


só anestesia. Não sei qual deles seduzirá
minhas veias, se aquele campo de papoulas
morfínicas paisagens, ou se diazepínicos.
(seja que paisagem essa), Morfeu em chamas.


Passem as dipironas que o paciente é cínico
e pede a porta da substância fêmea, freme:
ó Dolantina, a que viscosa pelas veias seda
e enquanto entreabre sua porta erótica, alucina.


                              ...


O momento exato não vi, mas guardei
entre os dentes as letras dessas palavras
em pânico, para reconstruir-me em versos,
quando houvesse (se houvesse) o reverso


da escuridão. Outro dia.Outro dia
haveria, a volta. Outra dialogia.











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