(Spiegel Im Spiegel: ouço os espelhos – e o silêncio - de Arvo Pärt)
Para Maria Elizabeth
O silêncio é horrível. Escrevi de um dia
as palavras em pânico emudeciam
ante a estridência das multidões. Solidão.
Cuidadosamente, queimei fotos, objetos;
Sepultei. Abismo do esquecimento. Silêncio.
Eram lembranças de um passado talvez feliz,
no qual não me reconhecia. Desde então
os busco nas palavras, versos, poemas. Inutil,
debatem-se nos desvãos da memória. Silêncios
...
Hoje, meio a um presente em plenitude, digo:
O silêncio é urgente. Para alumbrar a beleza
plena, transcendente da mulher que amo.
Silêncio.
Silêncio.
A SÍNTESE INCESTUOSA DE BRAHMS
A síntese não é menos cíclica que a dúvida.
logo se desfaz em incerteza. Uma há
porém, (erótica) que se solidifica no ar:
Corpos sob sons de um réquiem. Duvidam?
Amem sobre a neve fria do gesto incestuoso,
quase necrófilo, de “Um Réquiem Alemão”.
Depois digam que não.
DIALOGIAS
DIALOGIAS
(Brahms e Clementina e outros diálogos
improváveis
mas possíveis)
Para João Nebel
I
Num leito de hospital, a espera.
A luz, intensa e vária, multifária
afasta a possibilidade do dia
As paredes de um verde próprio.
(Por que tantas vozes no éter, ecos,
ordens sob gritos irreconciliáveis? Vozes
nos hospitais não calçam pantufas?)
Na solidão da espera fixo os olhos
na mandala de lâmpadas, guia esfera luz
Quero perceber a precisa porta do sonho
sintético (deveriam calar-se), o momento
exato em que se romperá a teia da razão.
Síntese verde, arquitetura do torpor.
Coro: Selig sind, die da Leid tragen.
Denn sie sollen getröstet werden.
(Que coro vem semear o medo
sulcar sua agricultura de dor?)
Bem-aventurados os que choram,
porque serão consolados.
Ein Deutsches Requiem
Como sabiam que queria essa música
ao final? A música da qual florescerá
a impossibilidade de ser. Quem semeou
o seio do medo, e tão cruel oferece o leite
do peito último, o que desalimenta?
Um Réquiem Alemão - sempre Brahms,
sempre ele, trazendo a virtude de enlouquecer.
Quem terá posto a música, quem atrás da porta
e porque?
Coro: (Uma incelença que é pra ele, mãe de Deus)
Perdão Abaluaê, perdão
Perdão Aorixolá, perdão
Perdão Abaluaê, ele veio do mar...
Este sincretismo que nos veda o passado
nos cega o futuro, pois me impede de saber
sobre que pilares repousará meu corpo.
Sincretismo que conforta, me abre a porta
de outra própria metafísica. Meu corpo gira
sobre rodas, a maca na velocidade do éter.
...
Corredores largos, os sempre verdes inaugurais
ou terminais, os olhares hospitais que passam
longos curiosos e piedosos, e me vêem passar
e se despedem de mim (passo), são carpideiras
despindo de mim meu futuro, despem de mim
meu corpo último, na unção pagã dos enfermos
Quero perceber a entrada no sonho criado
e também quero fixar esses rostos para mim
voltados, luz sobre uma “Lição de Anatomia”
cujo centro da tela sou eu (e o tempo).
II
O SONHO SINTÉTICO
Queira saber o momento, o instante
da porta do sonho, não o espontâneo
que desponta na ponta da noite, porvir
na ponta do punhal do cansaço de ser
mas o artificial, na ponta da agulha
substância arterial, síntese química
sem sinestesia, artífice do sonho criado
no tempo do homem, sem metafísica,
só anestesia. Não sei qual deles seduzirá
minhas veias, se aquele campo de papoulas
morfínicas paisagens, ou se diazepínicos.
(seja que paisagem essa), Morfeu em chamas.
Passem as dipironas que o paciente é cínico
e pede a porta da substância fêmea, freme:
ó Dolantina, a que viscosa pelas veias seda
e enquanto entreabre sua porta erótica, alucina.
...
O momento exato não vi, mas guardei
entre os dentes as letras dessas palavras
em pânico, para reconstruir-me em versos,
quando houvesse (se houvesse) o reverso
da escuridão. Outro dia.Outro dia
haveria, a volta. Outra dialogia.
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