Quando
ouvi os ecos da FLIP, e só os ecos, não sou lá muito festeiro, percebi alguma
estridência na volta de um martelar por uma "literatura política",
mas não dei importância, imaginei serem ecos da ebulição das ruas.
Pensei que talvez uns e outros, mais
exibidos, estariam querendo "surfar" nas ondas espontâneas que se
formavam, outros me pareceram sinceros, e como todos, com dificuldades de
entender o que se passa, eu inclusive.
Entretanto, quando li o caderno Prosa e
Verso, de O Globo – essa prosa entre amigos - de 20 de julho último, a matéria sobre
aqueles dias de Paraty, notei que se voltava, e a sério, a discutir a
antiquíssima questão "arte política", ou melhor, engajada, pois
política toda manifestação de arte é, ainda que involuntariamente. Me veio
então à boca o pequeno travo que essa velha discussão sempre me causou, e que
imaginava morta e enterrada. Mas não é tentavam exumar o velho esqueleto?
Com qual finalidade? Afinal, o que vem
a ser "arte política"?
Ainda assim, a li, como leio qualquer
matéria num sábado ocioso. Contudo, me deparei com coisas como o comentário de
Ferrez, entre outros, que "a arte pela arte não me diz nada"... que frase
tão comoventemente antiga! Só faltou falar em “torres de marfim”!
Então o processo de exumação era à vera?
Voltáramos ao início do século XX? Ou à década de sessenta? Que magnífica
viagem no tempo... Ora, então vamos lá, acompanhar a onda retrô: afinal, o que
é "ser político em arte"?
Quando um poema, um romance ou um
quadro esfacela catarticamente as defesas do leitor, trazendo desconforto para
sua poltrona, expondo seus lodos, sua escuridão, seus abismos, não estará sendo
essencialmente político?
Aristóteles, em sua Poética, já sabia
disso. E Schiller, embora um pouco diferentemente, também: “A jurisdição do palco começa onde finda o
domínio das leis profanas. (...) quando nenhuma religião mais encontrar fé e
cessar de existir qualquer lei, ainda então Medéia nos fará estremecer,
descendo cambaleante as escadas do palácio, depois de ter consumado o
infanticídio. Sempre que Lady Macbeth, essa medonha notívaga, lavar as suas
mãos, clamando por todas as substâncias aromáticas da Arábia, a fim de eliminar
o mau odor do assassinato, um horror salutar comoverá a humanidade, e à socapa,
cada qual bendirá a sua boa consciência (...). (A
Teoria da Tragédia). Lindo, não?
Porque, gostaria imensamente que me
respondessem: o que é mais eficaz, do ponto de vista político, sim, político,
desconsiderando momentaneamente que político, repita-se, todas as manifestações
artísticas o são? O chatíssimo "A Mãe", de Gorki, ou termos surrupiado
nosso conforto, e quase reconhecer que matar uma terrível velha usurária e
esconder seu corpo num armário poderia ser justificável, fazendo-nos
deparar em nós o assassino que nunca nos supuséramos (Crime e Castigo, de
Dostoievski)?
E responda rápido, para não ficarmos
apenas no romance russo:
Entre qualquer subliteratura engajada e
a ambiguidade hermafrodita do herói, em Diadorim, ou mesmo não sabermos se a
terceira margem do rio é a morte ou a loucura (conclusão inapropriável, logo,
por cada um de nós e nossas fraquezas – circunstâncias ortegueanas - livremente
apropriada), o que é mais efetivamente transformador (Grandes Sertões, Veredas e A terceira Margem do Rio, de Guimarães Rosa)?
Não estou dizendo que não exista uma
arte “política” (no sentido que querem emprestar ao termo) de qualidade, “Os
Comedores de Batatas”, de Van Gogh, confirma isso, mas “As Meninas”, de Velásquez
(vide postagem abaixo), também é virulentamente político, embora isso não seja
perceptível numa primeira mirada, e longe, muito longe de “engajado”.
O problema é estético, sem isso, será
melhor fazer outra coisa, quem sabe um discurso?
Uma boa causa não salva um mau poema, e
bem sei que a frase é antiga, mas, fazer o que? O assunto também é. Aliás, o
melhor Mayakovsky é lírico (Lili Brik), ou quando disse que o poeta deveria
preceder o tempo na fantasia, de modo a fazer de um dia um século.
Mais lírico, improvável, mais
revolucionário? Inútil...
O problema da literatura, e de qualquer
outra forma de arte, "engajada" (prefiro chamá-la funcionalista), é
que acaba falando para o próprio umbigo e para os umbigos circundantes, que
concordarão, ou não, a depender da camisa que vistam. Sua única utilidade (não
era isso que pretendiam?) é aplacar a culpa de quem a produz. Ou servir de
ponte para ditaduras que acabarão por encarcerar aqueles que a ajudaram a
encastelar-se, ou, não sei se pior, empobrecer, eis que medíocres, aquele
processo que se afigurava rico.
E não conheço melhor exemplo disso do
que a arte russa do período imediatamente anterior à revolução, basta comparar
com o que veio depois.
Ora, querem fazer literatura política?
Simples, façam boa literatura.
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