quinta-feira, 5 de setembro de 2019

ELEGIA ESCATOLÓGICA

        Is it possible to lose a foundation stone of one’s culture without even having identified it as such? (...) The time has come to bow out.
        Tim Parks - The Dying Art of Instruction in the Digital Classroom - The New York Review of Books (Artigo indicado por André Caramuru Aubert)

Crianças sentadas na beira dos fusos,
parvas, brincam com luzes brancas
que emanam de uns quase quasares,
confusos buracos negros de silêncio

que sugaram os olhos de seus pais,
e os fígados dos filhos. Os corações
desmancham entre os dedos aflitos,
desocupados de Eros desaparecem

no infinito, num lugar, incêndio último
de tudo, onde outras almas dormem
e apodrecem sob o peso do silêncio
das horas das ampulhetas partidas.

Enquanto isso, no alto de uma pedra
que recorta o azul num imenso “V”
do verso que escreverá sua vitória,
um gavião nos espreita em silêncio,

na espera que caiam nossas garras
apodreçam nossas presas: o logos
que ainda ontem a todos protegia
mas logo apodrecerá na memória.

Em seus ninhos pássaras gritam
as dores do parto da eternidade,
uns pequenos bicos já começam
a quebrar as cascas radioativas.

Breve, eles voarão sobre o abismo
onde libélulas libertinas lampejam
eternidades no azul. Formigas-de-fogo
escatológicas levam folhas metafísicas

montanha acima, ao cimo da pedra
em “V”. Esperam a confusão dos mitos:
Ícaro, bêbado, carrega no colo o fogo
de Prometeu. Despedaça-se no chão

catódico. Um caótico coro de insetos
estridula réquiens das exéquias do Fogo.
Intuem, ou já sabem, que, além deles,
uma multidão de baratas sobreviverá.

De "Elogios, Elegias, Ode e Ódios" (título provisório)
- O Azar das Circunstâncias – em andamento


Foto Eric Pickersgill 




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