OPACO
Cores,
sons, hoje tudo me tem opaco: as gentes
nas
ruas me são estranhas, alheias. A paisagem
entardece
irremediável, veste a cidade de ocaso
(maltratada
beleza, malbaratada história cafetina)
Passo
pelos rostos, me vêm? Que gestos contam?
Amarga
estranheza, caminho imerso silêncio escuro.
Cego
sem menino ou cão, oráculo mudo sem futuro.
O
mundo? Segue sua rota normal, sou eu e afinal eu,
o
estranho.
INSÔNIA
Todos
dormem, menos você. Nada tão certo,
mas
não há silêncio na noite, no mundo.
Nunca
há silêncio, este o terror noturno:
o
silêncio não existe, só o rumor de gentes
e
vampiros zumbindo nos ouvidos acesos
De
pedra são seus braços e suas pernas,
é
todo pedra, mas como coçam as costas!
Solte
as unhas da razão, decepe os braços
de
pedra para que este corpo que lhe sobra
possa
enfim cair no voo do vão do abismo.
Solte
as unhas da razão,
ou ela o enlouquecerá
APRENDIZADO
I
O
tempo dos ciclos respeitar, percebê-lo
- antes e melhor –
ouvir dos
ciclos o que anunciam
O
rumor de suas ondas metálicas
metafísicas
batendo
contra a costa do tempo
Preamar,
o respirar dos mares
e antes amar
também os
ciclos das vazantes
Amar,
sempre, as marés
cuidando
que não nos
naufrague a ansiedade.
Ter
sempre na seca, meio à sede
desesperada
a
perspectiva, a esperança das águas
Ou
bêbado pela visão do verde
suar bile
ante a
memória rediviva do deserto
II
O
sol e a lua – os ciclos mais próximos –
contam-nos
do imenso
ciclo dos planetas
Duzentos,
quinhentos anos de percurso
aprendizado
da calma
refeita paciência
Reconhecer
nos meteoros – fogo cadente
a finitude
do ciclo
infinito dos cometas
O
oposto ciclo quase nulo dos quasares
que na ausência
de matéria
nos rapta, tempo zero
Além
da lentidão dos milênios, tempo abstrato
número inexistente
com que giram
no nada as galáxias
e
seu paradoxo latente: o retorno do infinito
a circularidade
da reta, o
remoto ciclo cego.
III
O
sol e a lua, cotidianos, suicidam-se
no horizonte.
E não são
apenas ecos recorrentes
dos
ciclos, são nossa memória da morte
sinais do silêncio
a consciência
trágica do fim
nos
faz humanos, nos exila da Natura
divina diáspora
de dor, abstração
e (des)semelhança
do Nada.
IV
Num
gesto súbito, num poema súcubo
- e não há ciclo
mais intenso
que o poema –
Reinvento
de ouvido Cioran: “A possibilidade
do suicídio
é o que nos mantém vivos”
Este
pouco aprendi nos ciclos dos segundos
das manhãs
que abismam os dias impossíveis:
Estar
vivo é o único ciclo libertário, pois nele
percebe-se
- por
voluntário – o sem-ciclo infinito
da inexistência...
LACÔNICO LACAN
Se
antes era o verbo, e depois do fim?
O
silêncio. Silêncio que pontua o verso
traduz
e trai, nos tangencia da loucura
e
esta - ele falou - é o limite da liberdade.
LIRISMO ANACRÔNICO
Por
que tanto me tocam
as
barbearias de uma porta
uma
só cadeira enferrujada
neve
negra da carapinha cobrindo o chão
Por
que tanto me encanta
o
comércio acanhado, silencioso
calçados
de couro duro, coturnos
selas
e cela: solidão do dono no fundo escuro
O
relojoeiro atrás da porta estreita
o
monóculo sujo, olhos de rio turvo
que
ao ver cair os ponteiros e as cordas
desesperado
ainda tenta consertar o tempo
É
que amo ver de longe, madrugada,
o
amor de bicicleta sob a chuva
o
quadro duro - sem erotismo - nas coxas
excessivas,
os beijos surdos antes do trabalho
que
um dia naufragarão, naufragam
nas
águas que afluem nesse rio
que
me margeia; também desaparecerão,
mal
apontado o sol por trás das margens,
Beijos,
solidões, carapinhas ribeirinhas - rio possesso -
desprezados,
desaparecerão, na cabeça d’água
a
que chamamos progresso
Olá Lúcio como vai?
ResponderExcluirMeu nome é André, tenho 21 anos, conheci seu blog por meio da minha mãe Luciane Cardoso. Venho lhe dizer que gostei muito de suas palavras e poesias. Espero que você continue expondo suas idéias, que são grandes fontes de inspiração para quem aprecia e se envolve com arte. Um abraço.
Olá, André! Perdoe-me o atraso na resposta, só hoje vi seu comentário (não sou muito de rever meu blog, me dá um misto de aflição e arrependimento.
ExcluirQue bom que você gostou! E melhor que goste de arte, mas, cuidado, é moça ciumenta e perigosa, a poesia (brincadeira, deixe-se seduzir por ela).
Um forte abraço