quinta-feira, 7 de março de 2013

NOVOS POEMAS (OU NEM TANTO)


OPACO


Cores, sons, hoje tudo me tem opaco: as gentes
nas ruas me são estranhas, alheias. A paisagem
entardece irremediável, veste a cidade de ocaso
(maltratada beleza, malbaratada história cafetina)


Passo pelos rostos, me vêm? Que gestos contam?
Amarga estranheza, caminho imerso silêncio escuro.
Cego sem menino ou cão, oráculo mudo sem futuro.
O mundo? Segue sua rota normal, sou eu e afinal eu,


o estranho.


















INSÔNIA


Todos dormem, menos você. Nada tão certo,
mas não há silêncio na noite, no mundo.
Nunca há silêncio, este o terror noturno:
o silêncio não existe, só o rumor de gentes
e vampiros zumbindo nos ouvidos acesos


De pedra são seus braços e suas pernas,
é todo pedra, mas como coçam as costas!
Solte as unhas da razão, decepe os braços
de pedra para que este corpo que lhe sobra
possa enfim cair no voo do vão do abismo.


Solte as unhas da razão,
ou ela o enlouquecerá
  




APRENDIZADO


I


O tempo dos ciclos respeitar, percebê-lo
                        - antes e melhor –
                                   ouvir dos ciclos o que anunciam


O rumor de suas ondas metálicas
                        metafísicas
                                   batendo contra a costa do tempo


Preamar, o respirar dos mares
                        e antes amar
                                   também os ciclos das vazantes


Amar, sempre, as marés
                        cuidando
                                   que não nos naufrague a ansiedade.


Ter sempre na seca, meio à sede
                        desesperada
                                   a perspectiva, a esperança das águas


Ou bêbado pela visão do verde
                        suar bile
                                   ante a memória rediviva do deserto


II


O sol e a lua – os ciclos mais próximos –
                        contam-nos
                                   do imenso ciclo dos planetas


Duzentos, quinhentos anos de percurso
                        aprendizado
                                   da calma refeita paciência


Reconhecer nos meteoros – fogo cadente
                        a finitude
                                   do ciclo infinito dos cometas


O oposto ciclo quase nulo dos quasares
                        que na ausência
                                   de matéria nos rapta, tempo zero


Além da lentidão dos milênios, tempo abstrato
                        número inexistente
                                   com que giram no nada as galáxias


e seu paradoxo latente: o retorno do infinito
                        a circularidade
                                   da reta, o remoto ciclo cego.


                                   III


O sol e a lua, cotidianos, suicidam-se
                        no horizonte.
                                   E não são apenas ecos recorrentes


dos ciclos, são nossa memória da morte
                        sinais do silêncio
                                   a consciência trágica do fim


nos faz humanos, nos exila da Natura
                        divina diáspora
                                   de dor, abstração e (des)semelhança


                                   do Nada.


                                   IV


Num gesto súbito, num poema súcubo
                        - e não há ciclo
                                   mais intenso que o poema –


Reinvento de ouvido Cioran: “A possibilidade
                        do suicídio
                                    é o que nos mantém vivos”


Este pouco aprendi nos ciclos dos segundos
                        das manhãs
que abismam os dias impossíveis:


Estar vivo é o único ciclo libertário, pois nele
percebe-se
                                   - por voluntário – o sem-ciclo infinito





                                   da inexistência...





LACÔNICO LACAN


Se antes era o verbo, e depois do fim?
O silêncio. Silêncio que pontua o verso
traduz e trai, nos tangencia da loucura
e esta - ele falou - é o limite da liberdade.





LIRISMO ANACRÔNICO
           

Por que tanto me tocam
as barbearias de uma porta
uma só cadeira enferrujada 
neve negra da carapinha cobrindo o chão


Por que tanto me encanta
o comércio acanhado, silencioso
calçados de couro duro, coturnos
selas e cela: solidão do dono no fundo escuro



O relojoeiro atrás da porta estreita
o monóculo sujo, olhos de rio turvo
que ao ver cair os ponteiros e as cordas
desesperado ainda tenta consertar o tempo


É que amo ver de longe, madrugada,
o amor de bicicleta sob a chuva
o quadro duro - sem erotismo - nas coxas
excessivas, os beijos surdos antes do trabalho


que um dia naufragarão, naufragam
nas águas que afluem nesse rio
que me margeia; também desaparecerão,
mal apontado o sol por trás das margens,


Beijos, solidões, carapinhas ribeirinhas - rio possesso -
desprezados, desaparecerão,  na cabeça d’água
                                                           a que chamamos progresso

2 comentários:

  1. Olá Lúcio como vai?
    Meu nome é André, tenho 21 anos, conheci seu blog por meio da minha mãe Luciane Cardoso. Venho lhe dizer que gostei muito de suas palavras e poesias. Espero que você continue expondo suas idéias, que são grandes fontes de inspiração para quem aprecia e se envolve com arte. Um abraço.

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    1. Olá, André! Perdoe-me o atraso na resposta, só hoje vi seu comentário (não sou muito de rever meu blog, me dá um misto de aflição e arrependimento.
      Que bom que você gostou! E melhor que goste de arte, mas, cuidado, é moça ciumenta e perigosa, a poesia (brincadeira, deixe-se seduzir por ela).
      Um forte abraço

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