sexta-feira, 21 de junho de 2013

SEVILLANA DE UM ADEUS ADIADO



 A Antonio Bardaxi Lisson, e a todos amigos um dia desaparecidos


Siempre he podido darme cuenta de que el hombre es único, y que lós momentos de sinceridad pasen como los otros, solo el eternizalos depende de uno mesmo, y que siempre tambien he percebido com todos mis sentidos que solo ló transitório es duradero. Pues hay hombres de uma tal plenitud y riqueza, de uma entrega siempre tan por entero, que cada vez que se despide uno de ello se tiene la sensación de que poco importa que este adios sea por um dia o para uma eternidad

Carta de Antonio Lisson, primavera de 1980.


Não há luz sobre Sevilha,
embora sofra sol e lua;
o que há sim é uma luz interna,
luz que é de dentro, dela estua.

                                      A Luz de Sevilha – João Cabral de Melo Neto


                                      Naces, Gualdaquivir, de fuente pura 
                                      donde de tus cristales, leve el vuelo,
                                      se retuerce corriente por el suelo
                                      después que se arrojó por peña dura  

                                       Nascimento Del Guadalquivir - Quevedo


     
Há mais de trinta anos
numa rua desta cidade
no desenho do acaso nos encontramos


Era de tarde, eu ainda manhã,
jovem, talvez jovem demais
inacreditavelmente jovem, você nem tanto


ou talvez fosse, como saber?
Como todo jovem
ainda não aprendera a discernir o tempo,


o mesmo tempo
que hoje procuro
no labirinto sem fio de cidade e memória.


Nada encontro
senão o presente,
não há caminho ou labirinto que leve ao passado.


Nunca, em três dias
ou dois (o tempo...)
uma amizade nasceu tão intensa como aquela


Um pedido de informações
duas palavras
e recriamos o número três: eu, você e a cidade


unidos de forma indelével
construímos uma terceira pessoa.
Três dias, e nunca mais nos encontraríamos


Jamais a poesia
unira assim dois homens.
Minto, éramos um homem e um menino


Camões Cabral Quevedo
uniram-se a nós
numa terceira língua, na idade da poesia


Três dias apenas
e em três dias fluiriam unidos
o rio e o mar, Guadalquivir e Guanabara


Aqui, nesta Sevilha,
onde duas civilizações
há séculos unidas pelo ódio forjaram a paisagem


Um homem e um menino
se reconheceram
como dois homens possíveis no amor possível


(Depois você me apresentou
mulher e cotidiano
quebrando em mim inconfessável desconfiança)


Se a cidade para mim
era nova, para você recriou-se
ambos maravilhados de outras possessões


feudais. Era seu feudo
a cidade, por onde andássemos
muros, pátios, vielas e viejas gritavam:


Antonio, Antonio!
Dos bares, becos, labirintos (era seu
o fio), até da clausura onde vendiam doces


(havia uma curiosa
excitação nas vozes virgens):
Antonio!... freirinhas se comprometiam um pouco


Entre tapas e tablaos
um vinho rústico numa rústica paisagem
uma hacienda, um curral e o cantar: "Vale! Vale!"


Aquela sevillana
jamais ouvira, haciendo la juerga,
como o vinho, para sempre se perderiam


Sevilla me olhava
Por trás do seu abanico
os olhos negros e um erotismo levemente cafona


Hoje, Sevilha me olha
de frente, ou melhor
seu olhar é frio, sequer me vê,  sem erotismo


Vejo-a ressurgir outra cidade
das brumas, mas o que vejo?
Aqui e ali, a cidade sonhada se reconstrói


Realidade e fantasia
se encaram e se destroçam
sangre en el Campo Santo de la memoria.


Fantasia e realidade
cristãos e mouros
novas cruzadas criam em mim outra civilização


Apenas seu rosto
permanece na névoa,
não sei saberia recriá-lo, nunca soube.


Você deve estar velho
(eu mesmo ando irreconhecível,
infelizmente aprendi a discernir o tempo)


Talvez nos tenhamos
cruzado: um rápido olhar
não, não, é bruma de tempo confundindo.


Quem sabe não é de Antonio
o olhar embaçado escavado
entre rugas, tentando outros sóis mais nítidos,


mais nítidas primaveras?
Esbarro em mouros, que hoje
são louros, olhos azuis, mas a mesma estranheza.


Procuro seu rosto
tento recuperar dessas pedras
seu olhar. Mas como, se sempre me foi opaco?


Agora sim, é você neste bar!
Apenas os cabelos brancos
talvez desmintam o rosto magro (você era magro)


Falando com as mãos urgentes
o olhar e o desalinho inteligentes.
Num impulso, quase o abraço e grito: Antonio!


Paro. Seria patético,
já não me pareço comigo
e seria melancólico se não for você. Não é.


Pena. Penso há dias
apresentá-lo meu filho
para podermos ensinar-lhe que a poesia é vital


Tenho medo do ridículo
não é você,  tenho medo
de ouvir: señor, la poesia no tiene importancia


Seria, é ridículo,
mais que ridículo, constrangedor.
melhor ir-me, tempo nenhum resiste a trinta anos


Você está morto, percebo,
eu mesmo estou morto
nós dois estamos mortos, porque morreu


o terceiro de nós.
Trinta anos depois
finalmente descubro a eternidade: nunca mais nos veremos


Estamos definitivamente mortos.
Num gesto último tento a clausura
dos doces (existirão ainda vocações e virgens?)


Está protegida por grossos vidros
- e assim acabamos de morrer -
onde se lê: "se aceptam tarjetas de credito"



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