sexta-feira, 13 de julho de 2012

CADERNOS DE VIAGEM


Para Maria Elizabeth




AMPULHETA


Viajar estanca o tempo, depois
dois, três dias num só burgo
e a areia retomará seu turno


Então, à outra cidade!
Vira-se o vidro, e lento
o tempo, enfim companheiro, 


recomeça
                         




O OLHAR DO MUNDO


Olhe para mim
                                   nos meus olhos estão todas as coisas
e elas só existem
                                   para que possamos ver no outro


o nosso olhar.



  
















Ave Aquática
                       
Sirmione – “Albergue Marítimo”

Quis tibi, sauer puer, dedit hoc in carmina iuris?
Cruel menino, quem te deu este direito em poesia?

                                   Ovídio – Primeiro Livro dos Amores
   (tradução Lucy Ana de Bem)


Quando cheguei ouvi – ou pensei
ouvir – teu lago, imaginei vencer
cidadelas, vitorioso invadiria ruas,
rios, pontes. Serias minha, Sirmione


Como pensei minhas as vozes
das tuas musas. Errei em ambos.
Em cada esquina ouvi de Catullo
e de Pound, poesias, verso, vozes


me calaram, ouvi senão as Piérides,
pensávamos cantar como as musas
as desafiamos. Sem voz, fomos vencidos,
nos transformaram em pássaros, poeta


menor derrotado. Covarde, calei-me,
contentei-me em ver-te das muralhas,
ninguém me dera tal direito em poesia.
Não venci tuas pontes nem pela palavra


nem pela lança. Não te conquistei
cidade ou fêmea, tuas pedras  e grutas
continuam infensas a qualquer verso meu.
Silencio, enquanto teus cisnes, Sirmione


Te seduzem e arrebatam
e solenemente me ignoram



EXTASIS
      (mysticus furor)

                        Bernini – Santa Maria della Vittoria - Roma
















Que êxtase este, Santa Tereza?
O olhar mármore esfria afasta, branca
pedra, pureza que os panos contam


Rezar enreda e revela o transe, contorna
o corpo se contorce, êxtase místico freme
e num espasmo cala, Tereza, tua beleza


Que êxtase este teu, Tereza?
a maciez do mármore não esconde
o que os panos insinuam. E silenciam.


Chamam o olhar do anjo – ou sua flecha? –
que te sabe a Sátiro. Mas esse olhar é mármore
cala, opaco, a opalina rosa que tingia a pele


(Nos balcões laterais os notáveis
do burgo não te olham, entreolham-se
curvam-se de medo face à fatal pergunta:


“Que êxtase este teu, Tereza?
 Que êxtase este, Santa Tereza?”)
Entre o sagrado e o profano


A boca entreaberta se equilibra










































PORQUE TE PREFIRO

                                   Florença
                                  

As mãos falam
            na luz diagonal agônica que inflama,
e os olhos, se entredentes (os dentes!)
não se traduzirem drama, calem-se!
Devem manter-se no escuro


Como no dia em que alguém
for matar o único  filho: não será
com a beleza bíblica de uma espada
mas com uma faca cotidiana e nua
onde a ferrugem se insinua.


Como nas frutas se insinua,
                        que apodrecem com os homens. A natureza
é morta, e porque morta, decompõe-se.
O óbvio não te pertence, e a dor humana
não cabe num cesto de cores.


Como não cabem cabeças:
                        assim que degoladas secretam
                        o desespero de terem sido um dia,
o instante exato que se derrama
entre o horror e o nada,


o nada, onde moram os deuses
                        (que são seres doentes de unhas
                        sujas, os deuses e os homens
                        sujos e doentes. E são negras
as asas do amor)


                                               ...


Tua vida, homem,
                        além da tela importaria nada, porém,
                        houve uma praça, a aposta, a lâmina
                        súbita: e um nobre morto mudou a palheta
e teus olhos sangraram-se drama


Porque não concebo
                        outra estética que não a do desespero
                        e porque a vida é fera e “selvaggio”
é que te prefiro


                                                           Caravaggio







            

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