Para Maria Elizabeth
AMPULHETA
Viajar
estanca o tempo, depois
dois,
três dias num só burgo
e
a areia retomará seu turno
Então,
à outra cidade!
Vira-se
o vidro, e lento
o
tempo, enfim companheiro,
recomeça
O OLHAR DO MUNDO
Olhe
para mim
nos meus
olhos estão todas as coisas
e
elas só existem
para que
possamos ver no outro
o
nosso olhar.
Ave Aquática
Sirmione – “Albergue Marítimo”
“Quis tibi, sauer puer, dedit hoc in carmina
iuris?”
“Cruel
menino, quem te deu este direito em poesia?”
Ovídio –
Primeiro Livro dos Amores
(tradução Lucy Ana de Bem)
Quando
cheguei ouvi – ou pensei
ouvir
– teu lago, imaginei vencer
cidadelas,
vitorioso invadiria ruas,
rios,
pontes. Serias minha, Sirmione
Como
pensei minhas as vozes
das
tuas musas. Errei em ambos.
Em
cada esquina ouvi de Catullo
e
de Pound, poesias, verso, vozes
me
calaram, ouvi senão as Piérides,
pensávamos
cantar como as musas
as
desafiamos. Sem voz, fomos vencidos,
nos
transformaram em pássaros, poeta
menor
derrotado. Covarde, calei-me,
contentei-me
em ver-te das muralhas,
ninguém
me dera tal direito em poesia.
Não
venci tuas pontes nem pela palavra
nem
pela lança. Não te conquistei
cidade
ou fêmea, tuas pedras e grutas
continuam
infensas a qualquer verso meu.
Silencio,
enquanto teus cisnes, Sirmione
Te seduzem e arrebatam
e solenemente me ignoram
e solenemente me ignoram
EXTASIS
(mysticus furor)
Bernini – Santa Maria
della Vittoria - Roma
Que
êxtase este, Santa Tereza?
O
olhar mármore esfria afasta, branca
pedra,
pureza que os panos contam
Rezar
enreda e revela o transe, contorna
o
corpo se contorce, êxtase místico freme
e
num espasmo cala, Tereza, tua beleza
Que
êxtase este teu, Tereza?
a
maciez do mármore não esconde
o
que os panos insinuam. E silenciam.
Chamam
o olhar do anjo – ou sua flecha? –
que
te sabe a Sátiro. Mas esse olhar é mármore
cala,
opaco, a opalina rosa que tingia a pele
(Nos
balcões laterais os notáveis
do
burgo não te olham, entreolham-se
curvam-se
de medo face à fatal pergunta:
“Que
êxtase este teu, Tereza?
Que êxtase este, Santa Tereza?”)
Entre
o sagrado e o profano
A boca entreaberta se equilibra
PORQUE TE PREFIRO
Florença
As
mãos falam
na luz diagonal agônica que inflama,
e os olhos, se entredentes (os dentes!)
não se traduzirem drama, calem-se!
Devem
manter-se no escuro
Como
no dia em que alguém
for matar o único filho: não será
com a beleza bíblica de uma espada
mas com uma faca cotidiana e nua
onde
a ferrugem se insinua.
Como
nas frutas se insinua,
que apodrecem com os
homens. A natureza
é morta, e porque morta, decompõe-se.
O óbvio não te pertence, e a dor humana
não
cabe num cesto de cores.
Como
não cabem cabeças:
assim que degoladas
secretam
o desespero de terem
sido um dia,
o instante exato que se derrama
entre
o horror e o nada,
o
nada, onde moram os deuses
(que são seres doentes
de unhas
sujas, os deuses e os
homens
sujos e doentes. E são
negras
as
asas do amor)
...
Tua
vida, homem,
além da tela importaria
nada, porém,
houve uma praça, a
aposta, a lâmina
súbita: e um nobre morto
mudou a palheta
e
teus olhos sangraram-se drama
Porque
não concebo
outra estética que não a
do desespero
e porque a vida é fera e
“selvaggio”
é que te prefiro
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