quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

TRILOGIA ASCENDENTE



PÚRPURO OUTONO


Tal si dilegua, e tale
Lascia l'età mortale
La giovinezza. In fuga
Van l'ombre e le sembianze
Dei dilettosi inganni; e vengon meno
Le lontane speranze,
Ove s'appoggia la mortal natura

Canto XXXIII - IL TRAMONTO DELLA LUNA
Giacomo Leopardi (1798 – 1837)


Assim se acaba, e assim
Nos deixa a idade mortal
A juventude. Fogem
As sombras e as imagens
Dos amados enganos, apodrecem
As esperanças perdidas
Onde se apoia a natureza humana
                                              
Canto XXXIII - O Pôr-da-Lua
                                               Giacomo Leopardi (1798 – 1837)
Tradução Lúcio Autran























Há crueldade nas músicas
quando desfalecem ecos
e repetem no tempo o tempo perdido em nós


Mais cruel dos fenômenos,
fusão de sentido e espaço,
o eco destroça em azul o que não somos.


Há crueldade nessa música:
Janis, Jimmy, Morrison, dead
Gratefull Dead, as portas se fecharam


Numa nada grandiosa
morte meio ao vômito. Vítimas
de um naufrágio anunciado, náufragos,


Ainda assim insistíamos
em limpar do rosto blood
sweat and tears, vômito e desilusão;


Rios de neurônios perdidos
corredeiras, tragédias domésticas
lisérgicas cataratas e finalmente o encontro


com a morte: enforcado na gravata
do pai, (in)voluntário símbolo, suicídio
e escândalo que jamais nos sairão da memória


Éramos a perversão do sublime
a submissão ao trágico: vinte e sete
picadas numa noite, vinte e sete, meio à lama, terra e dor,


meio ao excremento da vida
Vinte e sete, cabala que gravaria
nos olhos o medo e o horror das veias supuradas,


Rostos supurados, sutura
das esperanças surrupiadas.
Éramos então quase crianças, vinte e sete!


Vinte e sete furos
vinte e sete marcas de sangue
riscando a fogo as faces entorpecidas dos paraísos


Vi, eram falsas as portas, tentei correr
as saídas se fecharam uma a uma
aprendizado do silêncio e do medo, palavras


paralisadas no ar. Um ano
em silêncio, um ano calei-me, de medo,
de dor e angústia: See me, feel me, touch... mudez


Ou paranoia, que sei?
Sei que nunca mais me abandonariam.
(Há crueldade nessas músicas, ainda assim as ouço).


Vinte e sete. Depois, o tiro nos tímpanos,
não, não, outro amigo, não! Desesperado,
vi morrer uma geração coloridamente suicida


Como sofremos, a geração da euforia!
Sofremos a apostasia da vida, fomos
em direção a uma utopia, mas logo retornaríamos


sem fé, coragem ou utopia, sem força
para nada que não fosse ilusório. Era tarde,
o que restou de nós, além “dos amados enganos”?


Além de uma vã esperança,
e mais que a esperança restou
sua nostalgia, restou essa vaga saudade do futuro


O que fizeram ou fizemos
das nossas utopias? Descobrimos
demasiadamente tarde talvez, que toda utopia


é impossível, ou não seria utopia.
Eu estava longe e eu estava perto
eles estavam no centro do mundo, e continuam


e eu no cu do hemisfério sul
(e continuo) mas me sentia no centro
enquanto ouvia atrofiarem-se destinos e cérebros


Onde estão? Onde estão?
Preciso urgentemente encontrar
meus mortos, contar-lhes desse patético fim


Não veio nada do que esperávamos,
o amor, a paz muito menos, que fim
melancólico! Vocês se foram, retornariam?


Não, sei que a uma única via,
uma só, conduziriam vinte e sete
picadas. Tranquilizem-se amigos, não os chamarei


Nós, que por aqui ficamos,
não revelaremos nossa decepção
e o mundo acreditará em nós, que em nada mais acreditamos


Eu era o centro e o lado, o fora
e o dentro, e infelizmente também
o avesso. Rios de neurônios se indo, se perdendo


com meus amigos morrendo
e a vida, infelizmente, vindo
vindo, como veio, com terror, rugas e realidade


Com a constatação que eu estava fora
porém estando fora, estava dentro
dentro, eu era periférica e perigosamente no centro


Eu, que então sabia estar longe,
louco, insistia que um choro de flauta
podia ser tão lisérgico quanto um solo de guitarra


Eu estava errado e estava certo
mas longe ou perto eu vi o tempo
esse velho cruel, enfim, me mostrar suas garras


Depois agora é silêncio,
esses ecos, essa música que sequer
sei se gosto, mas que rescende ao tempo renascido


Numa manhã interiorana que insiste
em ser aurora e em nascer vermelha,
e azul e desazul e desigual e desnascer-se noite


Povoando de silêncio este dia
que mal se anuncia, já se veste
de drama e poesia. Há neste silêncio um eco


Um eco cruel e covardemente perene
que nada extingue, antes renasce
em manhãs que insistem em nascer-se futuro


São antes mantras que manhãs:
nada existe senão o eco dessa música
que se repetirá, até um dia, quando silenciaremos.





A RECONSTRUÇÃO DA RAPINA
(A Velhice da Águia)        

Decidido está:voltarei a correr todos os riscos,  e a percorrer
De novo toda Tróia e de novo lançarei minha vida aos perigos.
Eneida - Virgílio - Canto II - 750


Bico o cume das pedras
tentando recuperar as palavras
não ditas. Meu bico dilacerado
devorará ainda aves e versos


Minhas presas dilacero
reaprenderão nas feridas o fio
das garras cegas de cansaço,
talvez se recomponham e firam outra vez


Arranco minhas penas
pássaro sem plumas e sem vôo,
momentaneamente rastejo, o tempo,
pior rapina que eu, me concederá outro vôo:


Ou reconquisto o azul que tive, cismo
ou me projeto para sempre no abismo!





MANHÃ


Respira em azul este sol que te cega
nega o pântano que te paralisa, seca,
que a safra da vida é única, vai, e sega. 




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