A
COZINHA MÍTICA
(DELOS)
Um povo que traz para o seu cotidiano
os mitos que
criou para domar seus medos,
cozinha e come o sentido da permanência.
Pobre
povo de mitos vazios, cujos pratos
são brancos e apenas a comida desenha
em
silêncio nossa mais desesperada solidão
INSCRIÇÃO
(DELOS)
Quando um homem escreve
aos pés de pedra de um templo:
“Sou feito
do mesmo mármore
que o pedestal e a escultura”
Esse homem sabe que venceu
ROMA
NON LOCUTA
(Delos)
Nesta ilha que
um dia foi errante
presa depois ao fundo do mar
por uma corrente de
diamantes
Aqui, Roma baixou suas armas
ante o mito. Sangue seco. Símbolo.
O
COLECIONADOR DE PEDRINHAS
Para Gabriel e Elizabeth
Caminho com um menino que
coleciona pedrinhas.
Um vulcão eclodido que escondeu no bolso da calça
ou
uma montanha erodida que a sua mão acarinha
carregada de tempo, esse tempo só
seu de menino.
Caminhamos por praias míticas, as almas descalças
recolhendo
os restos do tempo, de templos e lendas.
Se alguma pedra perde é como se
partisse a Terra!
Nas ruínas do tempo, vão voltam voando no vento
deuses
heróis homens em guerra, monstros e mitos
voam no caos os cacos do mundo que
entre dedos
ele guardara, o mosaico que montaria em segredo.
Difícil
recompor as pedras, seus pedaços de infinito.
Tente refazê-los versos,
menino, meu teimoso Sísifo,
deus moleque, uns versos que nunca serão
escritos.
UM
MUSEU PARTICULAR
Há um raro museu do nada na ilha de Paros
imagens de um
acervo de anônimos e párias,
meninas sépias, fotos de fiandeiras desfiando
Bandeiras amarelas amarradas aos mastros.
Bandeiras amarelas amarradas aos mastros.
Pescadores que nada trazem, a rede
estéril
paralisada no tempo, mar mitológico foi, não é.
Ali folheio e
desfolho um passado que não é meu
enquanto um velho conversa comigo em grego,
e sussurra um diálogo de Babel: “Είναι όλοι νεκροί”,
“Estão todos mortos”, é o que percebo dessa língua
alíterossincopada que
enfim me move para o centro
da paz. Uma
ágora que desconheço e me confunde.
MINOS
Me
perdi em Paros, para sempre
me perderia, ali, num labirinto notei:
nunca
fui Perseu, mas Minotauro
LAVA
Profana
multidão, silêncio.
Cuidado, a boca de Vulcano
muda, nada fala ou devora,
cautela, ele não está morto,
sinto-lhe o hálito, me apavora.
VULCÂNICO
(POMPÉIA)
Não me interessam seus últimos dias
mas o instante que antecedeu o
silêncio:
o grito fugidio que se calcinou em cinzas
grito de gozo e dor em
pedra perpetuado.
DANCEM
Ainda
se pode ver nos vãos e no vento
dessas escarpas uns restos de correntes
pendentes
e o urato das aves cristalizado,
(o excremento de quem tortura é o primeiro
a perenizar-se pedra perfurando o tempo).
O fogo alastrou-se guerras, foi
roubado em vão,
(melhor seria a escuridão), vejo ainda a dança
dos abutres,
canto dos gritos de gestos cinzas.
Dancem, pássaros, dancem o terror das
fomes
dança do pânico, vôos curtos fustigando o ventre.
Nada dói, senão
saber que neste palco de pedra,
encenaram minha história, e não pude estar
aqui.
LUZ EM FIROSTEFANI
Essa luz que se insinua entre brancos
cala o flanco da noite e a luz da lua,
sol que cega, ouro azul mediterrâneo.
Só uma luz ofusca o olhar
que sangro:
ser-me, ante a luz da mulher que amo.
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