sábado, 19 de setembro de 2015

GRÉCIA E ROMA (“Cadernos de Viagem”)





A COZINHA MÍTICA
(DELOS)














Um povo que traz para o seu cotidiano

os mitos que criou para domar seus medos,

cozinha e come o sentido da permanência.



Pobre povo de mitos vazios, cujos pratos

são brancos e apenas a comida desenha

em silêncio nossa mais desesperada solidão










INSCRIÇÃO
(DELOS)


Quando um homem escreve

aos pés de pedra de um templo:

“Sou feito do mesmo mármore

que o pedestal e a escultura”



Esse homem sabe que venceu
















ROMA NON LOCUTA
(Delos)













Nesta ilha que um dia foi errante

presa depois ao fundo do mar

por uma corrente de diamantes



Aqui, Roma baixou suas armas

ante o mito. Sangue seco. Símbolo.

























O COLECIONADOR DE PEDRINHAS


                                                                         Para Gabriel e Elizabeth



Caminho com um menino que coleciona pedrinhas.

Um vulcão eclodido que escondeu no bolso da calça

ou uma montanha erodida que a sua mão acarinha

carregada de tempo, esse tempo só seu de menino.

Caminhamos por praias míticas, as almas descalças

recolhendo os restos do tempo, de templos e lendas.



Se alguma pedra perde é como se partisse a Terra!

Nas ruínas do tempo, vão voltam voando no vento

deuses heróis homens em guerra, monstros e mitos

voam no caos os cacos do mundo que entre dedos

ele guardara, o mosaico que montaria em segredo.

Difícil recompor as pedras, seus pedaços de infinito.



Tente refazê-los versos, menino, meu teimoso Sísifo,

deus moleque, uns versos que nunca serão escritos.





















UM MUSEU PARTICULAR



Há um raro museu do nada na ilha de Paros

imagens de um acervo de anônimos e párias,

meninas sépias, fotos de fiandeiras desfiando 


Bandeiras amarelas amarradas aos mastros.

Pescadores que nada trazem, a rede estéril

paralisada no tempo, mar mitológico foi, não é.



Ali folheio e desfolho um passado que não é meu

enquanto um velho conversa comigo em grego,

e sussurra um diálogo de Babel: “Είναι όλοι νεκροί”,



“Estão todos mortos”, é o que percebo dessa língua

alíterossincopada que enfim me move para o centro

da paz. Uma  ágora que desconheço e me confunde.





















MINOS


Me perdi em Paros, para sempre

me perderia, ali, num labirinto notei:

nunca fui Perseu, mas Minotauro











LAVA


Profana multidão, silêncio.

Cuidado, a boca de Vulcano

muda, nada fala ou devora,

cautela, ele não está morto,

sinto-lhe o hálito, me apavora.






VULCÂNICO
(POMPÉIA)


Não me interessam seus últimos dias

mas o instante que antecedeu o silêncio:

o grito fugidio que se calcinou em cinzas

grito de gozo e dor em pedra perpetuado.































DANCEM











Ainda se pode ver nos vãos e no vento

dessas escarpas uns restos de correntes

pendentes e o urato das aves cristalizado,

(o excremento de quem tortura é o primeiro

a perenizar-se pedra perfurando o tempo).



O fogo alastrou-se guerras, foi roubado em vão,

(melhor seria a escuridão), vejo ainda a dança

dos abutres, canto dos gritos de gestos cinzas.

Dancem, pássaros, dancem o terror das fomes

dança do pânico, vôos curtos fustigando o ventre.



Nada dói, senão saber que neste palco de pedra,

encenaram minha história, e não pude estar aqui.






























LUZ EM FIROSTEFANI


Essa luz que se insinua entre brancos 

cala o flanco da noite e a luz da lua,  

sol que cega, ouro azul mediterrâneo.



Só uma luz ofusca o olhar que sangro:

ser-me, ante a luz da mulher que amo.















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