quinta-feira, 9 de novembro de 2017

TRÊS CABRESTOS



I – PALÍNDROMO

São os nossos medos que nos condenam
à paralisia, são os verdugos da alquimia
de tornar todos nossos desejos fantasias.

Quando olhamos tantas marcas vincadas
no chão do tempo, à nossa direita vemos
a multidão de corpos de ícaros ao relento,

Repousando mortos no fundo do abismo.
Deles, que sem medo evitaram a paralisia,
invejamos o voo dessa morte sem fobias.

À esquerda caíram os paralisados pelo medo,
hemiplegia dos desejos cristalizados afasia,
vivos, no escuro mutilam-se nessa pedra fria

Qual deles podemos dizer que foi feliz um dia?
Os que morreram na fome suicida dos desejos
ou os que ainda tateiam na escuridão do tédio?

Os que beberam o sangue que jorra do mênstruo
do universo, ou os que entre as presas do medo,
no fio da fantasia cortam-se copulando versos?

Talvez nenhum, irmanados que somos na dor
ou no tédio, uns choram seus medos estelares
outros, se acordam, carpem culpas seculares

Sempre um cão que nos prende entre as patas
arranca nossos olhos com suas presas negras
nos dilacera de dor ou medo, e afinal nos cega.

Depois, ele asperge em nossa boca sua saliva,
nos mata e nos redime pelas mãos do noturno
que dorme em nós. Sempre ele, o nosso pai

Nosso Demo
                             nosso medo
                                                          (e seu palíndromo)












II – A INOMINADA

Conheço seus amantes, são todos seus irmãos,
todos eles são faces do mesmo corpo incestuoso
de siameses, nossos sonhos caindo nos desvãos

de abismos das insônias das perversões perdidas
despenhando do tempo de ser, e não ser, voo cego
nos precipícios que nos impedem a fruição da vida.

Sei da súbita agonia, quando é chegada sua hora,
sinto a sua não-forma de fumaça, com sua dança
macabra que sangra as almas, entorpece a aurora.

Vem, fêmea insidiosa, vem, é você quem precipita
a lâmina luz odiosa que insiste em nos trazer o dia
nessas manhãs obtusas que se sucedem às orgias

Vem sem a chamarem, intrusa nos ritos bacantes,
vem poluir as paisagens dos rios tornados desertos
e dos desejos proibidos dos prazeres dissonantes

Constrói a sua represa, o anti-clímax interrompido
no muro intransponível de seu corpo que impede,
com gritos de ódio, a fruição dionisíaca da libido

Proíbe os antigos ritos da comunhão de orgasmos,
censura a celebração e o sacrifício no altar de Baco
o rito que os órficos chamaram um dia “entusiasmo”

Você, mulher com unhas de vidro e mãos de metal
com seus dentes e a língua côncava cava a manhã
e crava ecos no que seria a solidão do silêncio vital

Dos que compusemos no ritmo estelar dos sentidos
o soneto dos corpos; o silêncio fértil dos amantes
que prescindia da palavra, você o tornou ressentido

Quem é você, afinal qual seu nome, fêmea de nomes
mutantes? Mãe da velha Fórquia que nos envenena,
foi tua traição que tatuou de ódio a nudez de Helena

Sei apenas que seu nome é um só, embora sejam tantos
pelos quais atende seus olhar multifacetado que jamais
sorri, cinzel com que cunha na argila suas mil alcunhas

Por qual nome chamá-la, entre os tantos que responde?
Dimme, a que tem hálito apodrecido e hábitos noturnos,
que bebe aos nascituros o sangue morno que a redime?

Ou Lâmia, a encantadora de desejos, a serpente mítica
cujo sangue secava os verdes dos versos de Keats?
Antes do tempo era Lilith, fêmea insubmissa a Deus.

Dispa-se deusa obscena, deite-se sob o Medo, irmão,
essa cópula incestuosa de infinita feiura fere os olhos
tornados pedra, e me curvo ante o seu corpo na forca.

Eis a farsa de uma falsa Fedra que jamais se matará.
Choro ante sua carne sempre viva, pêndulo do tempo
iluminando a nudez de todas suas irmãs, as súcubas.

Vem, mulher, toque minha língua com seu sexo gelado,
reconhecerei minha derrota prostrado num pranto cego,
mas antes tira as máscaras do rosto e revela seu nome.

Ela se despe, linda e sem desejos: “Meu nome? É Culpa”.


III – SERPENTE

Foste aquela que apontou a nudez de Adão
virando-lhe o olhar do corpo faminto de Eva.
Cobriste de outono a púbis dos anjos, e o nu,
escândalo, da intangível virgindade das mães

Tuas mãos vedaram as diferenças dos frutos
dos que dormíamos estirados sobre a relva,
proibiste que amássemos sob o olhar do sol
separaste as línguas cruzadas no crepúsculo

Tu que fomentas a fome devassa dos censores,
dás as lâminas para gozarem a sós o que vedam
ao mundo, ensinas-lhes enredos dos ritos de Onan,
prazer perverso de degredar a nudez sem pudores

A querem só deles, como quem cuida da castidade
coletiva, mas entre frestas celebram a festa orgiástica
de ter entre os dedos as tesouras cegas que cortam
vaginas assassinas e castram os falos, sem piedade.

Somos todos seus filhos, somos os frutos da lascívia
das serpentes, dos sacerdotes e das culpas irmanados,
com prazer nos pariste nos destroços do altar de Eros
nos alimentando com o leite e o veneno de tua saliva

Os homens encolhem as pernas, apenas as duas mãos
para a nudez que é tanta, muito cedo, desde meninos,
nos contorcemos de pudor, morremos de tua peçonha,
sofrendo e sussurrando na noite os ecos de teu nome:


                                                                                Vergonha.

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