Shall be lifted - nevermore!
The Raven - E. A. Poe
I
Pousado
entre os degraus e o seu medo,
de longe você o vê, vigiando o silêncio.
Porém sequer
sabe se é bicho homem
ou se é pássaro, aquilo que lhe agoura,
mas já percebeu
que o seu voo é mudo
imóvel, um quase voo de rapina rasteira.
Pousado no alto
de uma escada estreita,
as asas entreabertas ele espera, espreita.
Você sobe,
e adivinha que cada degrau
que vencer nesta tarde terá escarpas
agônicas que
tornarão seu olhar opaco,
fruto da visão dolorosa de estranhar-se,
entranhar-se
na memória das cicatrizes.
Seu gesto ofegante é quase abandono,
sem rimas
escreve nas raízes da tarde
os versos das ruínas dos ritos cotidianos.
II
Nos
resumimos ao silêncio. Uma estética!
Do silêncio, que seja! Mas não há estética
alguma,
só uma estética do nada floresce
em você e seu tempo, nada mais por dizer,
como
dizer, e pior, o que dizer, tudo foi dito
desdito e destruído, dito redito e
contradito,
e no entanto não nos recordamos de nada.
A arte diluiu-se sem que
restassem ruínas
Mas teimamos admirar um museu de cinzas.
Se era forma
diluiu-se no vácuo, se era rima,
agora é desmemoria, só nos resta o silêncio
que
apenas os solitários conseguimos ouvir.
Vai, ouve o eco da madeira no oco da
escada,
o eco no oco do silêncio é o ovo da serpente,
partiu-se em mil
silêncios de espelhos na tarde
em estilhaços ao sol sob o calor esquartejados
Pela
parede de espelhos a tarde se multiplica
ao infinito, o silêncio se multiplica
no infinito,
e se multiplica nos silêncios de mais espelhos
ecos dos dias
mudos. O silêncio elide o eco,
o outro, o tempo, o silêncio suprime a tarde
suprime
a infância e a saudade dos que foram.
Nada mais resta, senão um pássaro pousado
no
umbral da porta, parado no fim da escada.
Você espreita o que restou: silêncio
consentido
e a imensa solidão que sobre você se espalha,
espelha-se, e o
espelha nesta tarde silenciosa
sem memória, solar embora, é tarde espectral
da
loucura que em silêncio tortura. Nada de lírico
ou lúdico na loucura, de
cômico, só os fantasmas
silenciosos do desespero humano e essa angústia
ainda
mais silenciosa de esquecer o próprio nome.
III
Passo a passo degrau a degrau
silêncio a silêncio
você sobe essa escada e cada lance que vence,
você vê, em
cada um, não mais que a decadência.
Os dentes (o riso desprendido) caíram
silenciosos,
e a música silenciou-se ante seu olhar embaçado.
Até as palavras
nas páginas perderam o sentido
os sons imaginários que foram pela vida
alimento,
diária e tristemente você desaprendeu a escrever.
Mesmo a esperança,
se um dia esperança houve,
calou-se, o que mais teria a lhe dizer? Vestiu-se
de
um desesperado silêncio e se despiu no azul,
hoje corre pelas ruas nua e sem
futuro nas mãos.
Cansado, seu suor sangra sem mitos ou milagres,
você se senta
no penúltimo degrau, é tão longo...
Sabe que o próximo será, como os outros,
inútil,
agora descanse, amigo, tente respirar. Silenciosa,
e profundamente
respire, sinta o cheiro de sangue
do suor que é seu e escorre numa tarde de verão
interminável. Cansado? Só um derradeiro degrau
ainda o separa... do que mesmo? Nem você o sabe.
Desista, você não saberá vencer o último degrau,
imenso e silencioso ele se afastará a cada passo.
Então serão apenas eles, degrau e ave, que enfim
no voo paralítico do silêncio definitivo o vencerão.
do suor que é seu e escorre numa tarde de verão
interminável. Cansado? Só um derradeiro degrau
ainda o separa... do que mesmo? Nem você o sabe.
Desista, você não saberá vencer o último degrau,
imenso e silencioso ele se afastará a cada passo.
Então serão apenas eles, degrau e ave, que enfim
no voo paralítico do silêncio definitivo o vencerão.
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